sábado, 17 de abril de 2010

O Rio, o pré-sal e o futuro do nosso país

Por Robson Leite *
(Originalmente publicado no Jornal do Brasil de 13/04/10)
Com a descoberta de petróleo na camada pré-sal, abriu-se um novo período de debates sobre a exploração estratégica desta riqueza nacional. Em pouco mais de um ano, o país foi do otimismo ufanista da descoberta à disputa pelos recursos oriundos dos royalties, resultando na irresponsável emenda do deputado Ibsen Pinheiro.

O advento do pré-sal nos trás muitas possibilidades e deve ser aproveitado para o desenvolvimento nacional da melhor maneira possível, destinando o produto do seu lucro ao investimento em educação e em políticas sociais inclusivas.

Neste sentido, uma questão fundamental para que os recursos do pré-sal tenham melhor aproveitamento é a utilização do sistema de partilha, ao invés do sistema de concessão, em vigor até os dias atuais. No sistema de partilha, o óleo retirado deixa de ser da empresa concessionária e passa a pertencer à União. Assim, fica garantido que, mesmo quando a Petrobras não for a responsável pela exploração do óleo, os recursos cumpram o objetivo previsto de garantir o desenvolvimento do país através de quem tem a função de promovê-lo: o estado.

Na mesma lógica, o fortalecimento da Petrobras é estrategicamente importante para garantir vantagens competitivas na atuação nacional e internacional da empresa, privilegiando o desenvolvimento do país. A Petrobras foi designada com exclusividade para ser a operadora do pré-sal, por possuir grande conhecimento a respeito das bacias sedimentares brasileiras e por ser a maior empresa do mundo em exploração de petróleo em águas profundas, apresentando as melhores condições estruturais para uma empreitada de tal porte.

Para administrar os contratos de exploração do pré-sal, será criada a Petrosal – uma empresa estatal enxuta em termos de recursos humanos e com a missão estratégica de ser “os olhos” da União no gerenciamento da exploração dessa importante riqueza – que contará com os melhores técnicos nesse tema e que forem aprovados em concurso público. Ou seja, de forma republicana e transparente.

O Fundo Social proposto pelo governo federal cumprirá uma função histórica, pois é a garantia de que os recursos sejam mais bem aproveitados socialmente, possibilitando um maior desenvolvimento econômico e social do país e impedindo, assim, que se prolifere o que se convencionou chamar de “maldição do petróleo” – a manutenção de baixos Índices de Desenvolvimento Humano nos municípios produtores. Não podemos esquecer também que os recursos provenientes desta riqueza devem ser destinados, em parte, para reparar o impacto socioambiental atual e futuro da atividade nestes municípios.

Também há um aspecto importantíssimo nesse debate que o Congresso Nacional, infelizmente, deixou de lado: a enorme perda de arrecadação que o estado do Rio de Janeiro tem com o ICMS do petróleo. Esse imposto funciona de forma diferente para o petróleo: é cobrado apenas no destino deixando o estado produtor à míngua. Os royalties também funcionam como uma espécie de “compensação tributária” para essa perda. Se os royalties vão mudar, por que não mudar também a forma de cobrança do ICMS do petróleo?

Além de ignorar estes aspectos, a emenda Ibsen não leva em consideração o impacto da perda destes recursos para as contas dos municípios produtores. A manutenção desta emenda representaria um enorme rombo e colocaria o estado do Rio de Janeiro em situação de quase insolvência.

Ao contrário das verbas do pré-sal, que seriam novos recursos, os estados e municípios produtores contam com o dinheiro da divisão dos royalties do petróleo explorado atualmente para arcar com seus compromissos. Por isso, a população do Rio de Janeiro foi para as ruas reivindicar corretamente que esta emenda seja barrada.

Mesmo que haja falhas e falta de transparência na aplicação destes recursos, a sua má utilização por alguns municípios não pode servir de desculpa para o assalto aos cofres públicos do estado. A verdadeira discussão que devemos promover é acerca do que deve ser feito com os recursos advindos dos royalties e como a sociedade pode intervir na decisão sobre sua alocação.

Precisamos debater uma legislação específica que delimite a utilização desta verba para áreas como educação, ciência e tecnologia e políticas sociais, visando ao desenvolvimento futuro e à melhoria da qualidade de vida da população. Se é verdade que muitos municípios produtores de petróleo utilizam de forma irresponsável estes recursos, também é certo que podemos aumentar o controle social sobre o dinheiro dos royalties através de medidas simples, como a implantação de comitês gestores e a vinculação de novos repasses à uma prestação de contas detalhada.

Outra forma eficiente de controle social é a implantação de programas de orçamento participativo – forma de gestão orçamentária democrática, onde a população tem voz ativa no processo de alocação dos recursos públicos – nestes municípios. O orçamento participativo tem o potencial de aumentar a transparência com os gastos públicos e melhorar sua alocação, já que a população raramente aceita que o dinheiro público seja gasto de forma eleitoreira. Em nosso estado, esta experiência já é adotada pelas prefeituras de Teresópolis e Rio das Ostras, e seu uso deveria ser estimulado em outros municípios.

A situação de Rio das Ostras é um exemplo de como esta pode ser uma solução interessante para o problema. Apesar da timidez do processo de participação popular atualmente em curso na cidade, é possível acompanhar uma evolução na qualidade dos gastos públicos a médio e longo prazo. Afinal, este é um município que ficou famoso por gastar rios de dinheiro em luxuosas – e ao mesmo tempo lamentáveis – empreitadas, como a colocação de porcelanato no calçamento da orla, e atualmente é considerado um dos que gastam melhor o dinheiro de royalties do petróleo, tendo aumentado sensivelmente os aportes de recursos em saneamento básico e educação, seguindo a escolha popular.

* Robson Leite é professor universitário, petroleiro, educador popular, escritor e autor do livro "Fé e Política se Misturam? Uma reflexão necessária". E-mail: feepolitica@terra.com.br

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