quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os Equívocos no Projeto Ficha Limpa

Esta discussão é difícil de ser travada, mas, nós que queremos uma verdadeira moralização do sistema político brasileiro, devemos ter a coragem de fazê-la. Segue a contribuição de um advogado companheiro militante do PT do Rio. 


Bruno Moreno*

É lugar comum entre os políticos, muitas vezes até mesmo entre os juristas, que se associe coercibilidade com maior previsão punitiva da lei. Em sua enorme maioria, tal associação é de fato equivocada, e o Projeto Ficha Limpa não é exceção.

O referido projeto de lei tem como seu principal aspecto o fato de que o cidadão condenado criminalmente em primeira ou única instância ou tiver contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado, não possa se eleger durante oito anos. Ou seja, de uma decisão que ainda cabe recurso sai o impedimento para a eleição.

Ainda que se advogue o contrário, é oposto ao que assegura na prática até os presentes dias o princípio da presunção de inocência (ou não culpabilidade, como se preferir), que prevê que só pode ser considerado culpado alguém que tenha sido condenado por decisão irrecorrível, ou seja, o trânsito em julgado. O que interessa no caso não é a constitucionalidade ou não do projeto de lei, mas sim a perda de uma garantia que existe na prática.

É importante ressaltar que tal projeto de lei não tem o condão de fazer com que políticos com grande influência e dinheiro tenham seus objetivos escusos atingidos, pois dificilmente passarão a ser denunciados, processados, que dirá condenados. Para a enorme maioria destas pessoas, a lei não terá nenhum caráter coercitivo porque não existe proposta de criação de novos mecanismos de fiscalização. Não fará que existam menos casos de corrupção, não fará que a corrupção no judiciário diminua, nem fará com que o poder econômico continue sendo o principal aspecto de corrupção no meio político. Aliás, nunca uma sentença valerá tanto.

E o principal motivo para que esse maior rigor punitivo não tenha eficácia sobre quem deveria ter é simples: a proposta tem aspecto repressivo e não preventivo. Em um Estado no qual o poder de repressão é dirigido sempre aos mais fracos economicamente é certo que o aumento do rigor recairá sobre as costas destes. O cerceamento do direito de ampla defesa e contraditório e do princípio da presunção de inocência será sentido pela parte política e economicamente mais fraca.

Nosso judiciário já dá mostras diárias disto, ao criminalizar movimentos sociais, em especial o MST, até mesmo com acusações de recebimento e utilização de verbas públicas de forma indevida. Neste cenário, qualquer restrição significa restrição dos direitos políticos desta parcela da sociedade e não dos praticantes de crimes de colarinho branco.

O recente e revelador estudo do pesquisador Ivan César Pinheiro, denominado “ROBIN HOOD versus KING JOHN: COMO OS JUÍZES LOCAIS DECIDEM CASOS NO BRASIL?” e premiado pelo IPEA, demonstra como o poder local influencia nas decisões do judiciário. A pesquisa prova que os detentores de maior poder político e econômico local são amplamente beneficiados pelo judiciário e que tal tendência é mais grave nos locais de maior disparidade social.

A pesquisa aborda o comportamento do judiciário no âmbito do Direito Civil, imagine-se no âmbito eleitoral, onde os interesses políticos e econômicos são mais evidentes, o que não acontece? A limitação à esfera regional conferirá por sua vez maior peso à decisão do judiciário local. A danação ou a salvação eleitoral pode ficar sujeita a um único voto, na mão de um magistrado honesto ou não, que pode ou não, ser atrelado ao poder local.

Esperar apoio a um projeto destes por parte de DEM-PSDB-PPS é normal, pois o que querem e sempre quiseram é aumentar a punição aos setores populares e afastá-los da arena política, pois sabidamente são seus adversários políticos. Fora isto, os dividendos eleitorais da proposta, através do falso discurso da moralidade lhes cairia bem.

É de se espantar, porém, que representantes políticos progressistas, ligados aos mesmos setores populares que sofrerão as conseqüências, entrem neste jogo do discurso eleitoreiro da ética moralista e tentem tratar um problema que é político e sócio-econômico, de forma simplesmente jurídica.

Pagaremos por esta falta de visão. Para diminuir a corrupção, precisamos de uma reforma eleitoral, com financiamento público de campanha, maior possibilidade de controle dos gastos de campanha, campanhas que demandem menos dinheiro, como com o voto em lista, fim do foro privilegiado, etc. No âmbito da administração, maior controle social, com mecanismos específicos que possibilitem à sociedade fiscalização e participação no controle do dinheiro público.

Minar a interferência do poder econômico na política e fortalecer o controle social do Estado é o caminho para verdadeiramente afastarmos os praticantes dos crimes de colarinho branco da política. Infelizmente nossa tradição fortemente normativista contagia até aos mais críticos e progressistas com seu canto da sereia.

*Advogado Sindical no Rio de Janeiro

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